sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A Blasfêmia da Ditadura

Durante os primeiros anos da ditadura, jovens frades seguidores de São Domingos desempenharam papel importante na resistência às forças armadas. Deram cobertura à Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo guerrilheiro comandado por Carlos Marighella – ex-deputado federal e um dos principais opositores do governo. Os frades defendiam que viver o evangelho era integrar-se à comunidade através de práticas sociais concretas, que defendessem os injustiçados. Pagaram alto preço: perseguição, cadeia, tortura e exílio.

Em 1969, os freis Ivo e Fernando foram os primeiros dominicanos a cair. Capturados pela polícia e submetidos a fortes torturas, acabaram forçados a servir de isca e marcar um encontro com Marighella. A emboscada revelou-se um sucesso: após troca de tiros, morreu o líder da ALN.

Frei Tito, então com 24 anos, foi o próximo dominicano colocado atrás das grades, capturado no próprio convento dos dominicanos. Cinco dias depois, frei Betto – hoje conselheiro pessoal do presidente Lula – também foi preso. Estava escondido no Rio Grande do Sul, ajudando opositores do governo a fugirem do país pela fronteira.

Dentre todos esses religiosos, é a história de frei Tito que o filme aborda com mais profundidade. Durante 42 dias, ele foi submetido ao pau-de-arara, a choques elétricos nos ouvidos e genitais, a socos, pauladas, palmatórias e queimaduras de cigarro, entre outras perversidades. Em certa ocasião, foi lhe ordenado que abrisse a boca para receber a “hóstia sagrada” (dois eletrodos com corrente elétrica). Teve a boca queimada a ponto de não conseguir falar. Tentou suicídio nessa época, cortando-se com uma gilete. Os militares, no entanto, o mantiveram vivo e sob tortura psicológica.

Em dezembro de 1970, Tito foi incluído na lista de presos políticos trocados por um embaixador suíço seqüestrado. Partiu para o exílio, passando pelo Chile e pela Itália antes de se estabelecer definitivamente na França. Do Brasil, contudo, Tito não saiu sozinho. Levou consigo a lembrança obsessiva do delegado Sérgio Paranhos Fleury, seu principal algoz nos porões ditadura.


Alucinava o espectro de seu torturador e sentia sua presença entre as árvores do convento de La Tourette – onde passou a viver. O delegado lhe dava ordens: não entrar, não deitar, não comer… Tito oscilava entre resistir e obedecer. Em 1974, atormentado por essa realidade, o frade enforcou-se em uma árvore nos arredores do convento.